A 10ª edição da nossa newsletter aborda a questão racial na História, tema central em grande parte das nossas discussões. Refletimos sobre como ela é retratada por intelectuais e artistas que debatem sobre as interações entre a África, a Europa e as Américas.
Como destaque da edição, compartilhamos uma conversa com o artista e professor Marcelo D’Salete, autor de importantes obras no mercado de quadrinhos históricos, como Angola Janga (2017).
Clicando aqui, se apaixone pelo trabalho da designer Kalany Ballardin em nossa edição passada.
Diálogos /// Isabela Araujo conversa com Marcelo D’Salete
Nascido na cidade de São Paulo, Marcelo D’Salete passou sua infância entre os bairros de São Mateus e Artur Alvim, na Zona Leste. Essas vivências nas periferias paulistanas influenciaram diretamente sua visão de mundo e suas produções artísticas.
Formado majoritariamente em escolas públicas, durante o Ensino Médio cursou Design Gráfico no Colégio Carlos de Campos, no Brás, onde foi influenciado pelo grafite e pela ilustração. Posteriormente, formou-se em Artes Plásticas pela Universidade de São Paulo, aprofundando seus conhecimentos nas artes visuais.
“Quando entrei na universidade, comecei a ter mais contato com certa produção histórica, tratando de importantes personalidades negras, indígenas e de mulheres. Comecei a perceber como isso estava distante de grande parte das pessoas da minha família e colegas. O quadrinho acabou sendo a forma de trazer essas narrativas para um veículo que é acessível a grande parte do público.”
Ao longo de sua trajetória, Marcelo esteve cercado por uma diversidade de influências culturais, com destaque para a música – do rap ao samba, do jazz à MPB e ao rock –, além do cinema e do teatro. Com o passar dos anos, sua carreira se consolidou nas áreas de quadrinhos, ilustração e artes plásticas, tornando-se uma referência no Brasil.
Páginas da obra mais famosa de D’Salete, Angola Janga (2017)
Recordando sua trajetória, D’Salete compartilha que as questões sociais e raciais sempre estiveram presentes tanto nas conversas familiares quanto em sua própria vivência, inclusive como office boy. Como um corpo negro na cidade, a consciência de sua condição o aproximou do universo das artes. Ícones como Jorge Ben, Tim Maia, Thaíde, RZO e Racionais MC's desempenharam um papel crucial nesse processo. Para ele, esses artistas dos anos 80 e 90 foram essenciais ao dar uma voz politizada à juventude daquela época, trazendo à tona discussões sobre identidade e resistência.
“Um artista cria quando está inspirado, sim, mas ele precisa também ter uma rotina de criação, mesmo quando não está exatamente inspirado por algo externo. Às vezes, a inspiração surge justamente a partir do trabalho artístico, da descoberta de novas formas, novas possibilidades, a partir da sua relação com determinado tipo de material, com o desenho, a pintura, etc.”
Duas de suas mais recentes publicações: Mukanda Tiodora (2022), à esquerda, e a edição reeditada de Noite Luz (2023), à direita
Além de seu trabalho como ilustrador e quadrinista, D’Salete também atua como professor na Escola de Aplicação da Universidade de São Paulo, espaço em que viabiliza diálogos sobre as possibilidades da criação artística:
“Com certeza essa articulação entre docência e arte é algo que me impulsiona até hoje. Os meus alunos, uma parte deles, conhecem o meu trabalho, principalmente em determinados momentos quando falamos sobre quadrinhos, ilustração, artes gráficas (…). Geralmente é um diálogo muito interessante, muito propositivo, sobre arte e sobre as possibilidades de criação utilizando o recurso das histórias em quadrinhos.”
Para nossa newsletter, o artista indicou mais referências importantes para seu trabalho – desde os cineastas americanos Donald Glover e Jordan Peele até grandes nomes da arte e da literatura, como Toni Morrison, No Martins e Conceição Evaristo. Você pode conferir a nossa conversa completa com Marcelo D’salete clicando nesse link, que vai te encaminhar para o site do Traduagindo.
HG Indica /// Silenciando o passado, por Michel-Rolph Trouillot
A coleção Encruzilhada, projeto da Editora Cobogó, constrói um panorama de títulos nacionais e estrangeiros que abarcam temas contemporâneos, como o antirracismo, os feminismos e o pensamento decolonial. Com coordenação de José Fernando Peixoto de Azevedo, doutor em Filosofia e professor da ECA/USP, a coleção apresenta autores que refletem sobre o presente enquanto encaram o passado. Neste link, você pode saber mais sobre Silenciando o passado: Poder e a produção da história, do falecido historiador haitiano Michel-Rolph Trouillot, que aborda a maior revolução de escravizados nas Américas: a Revolução de Saint-Domingue (1791-1804).
“Hoje sabemos que as narrativas são feitas de silêncios, nem todos deliberados ou perceptíveis como tais no momento em que são produzidos. Também sabemos que o próprio presente não é mais claro que o passado.”
Michel-Rolph Trouillot
Exposições, eventos e cursos /// Pelo Brasil
Exposições e eventos:
a) Rio de Janeiro: Salvei ao vivo, Estação NET Gávea (Evento imperdível da Salvo Conteúdo, nossas parceiras de longa data);
b) Rio de Janeiro: Flopei - Festa Literária dos Ocupantes da Praça XV e Intermediações;
c) Fortaleza: O olhar não vê. O olhar enxerga, Museu da Fotografia;
d) São Paulo: Outros navios: uma coleção afro-atlântica, no Centro Cultural FIESP;
e) Online: Conheça o acervo do Museu Afro Brasil.
Cursos online:
a) Adoramos os cursos oferecidos pelo Instituto Pretos Novos. Confira a lista aqui. Para aqueles que estão no Rio de Janeiro, também vale a pena a visita ao Museu Memorial, na Gamboa;
b) Também ficamos de olho no curso Studio Ghibli: nas entrelinhas de Hayo Miyazaki, oferecido pelo Museu da Imagem e do Som (MIS), de São Paulo (UPDATES: Vagas esgotadas);
c) Por fim, este curso sobre ela, a gigantesca Lygia Fagundes Telles – Enlaces entre vida e obra, na Escrevedeira (Temos cupom! Use HISTORIA10).
Narrativas afro-atlânticas /// Mais indicações
Feitores do corpo, missionários da mente, de Rafael de Bivar Marquese
O trabalho escravo, base da economia colonial nas Américas, gerou intensos debates entre senhores, governantes, letrados e juristas. Como seria administrar uma propriedade de modo que os escravos gerassem altos lucros, evitando ao mesmo tempo as perdas, as fugas e as revoltas? Nesse livro, o historiador Rafael de Bivar Marquese mostra como esse modelo foi concebido nas diversas regiões da América.
Touki Bouki (1973), dir. Djibril Diop Mambéty
Se você gosta de filmes potentes e poéticos, Touki Bouki é um clássico imperdível. A história acompanha Mory e Anta, dois jovens senegaleses com um sonho ousado: deixar Dakar para recomeçar na França. Entre desafios e duras realidades, o filme combina beleza visual e uma trilha sonora marcante, conquistando o Prêmio do Júri no Festival de Cannes em 1973 e inspirando, até hoje, inúmeros artistas contemporâneos.
Um corpo no mundo (2017), de Luedji Luna
Nunca vou esquecer do que senti na primeira vez em que assisti ao clipe de Um corpo no mundo, da Luedji Luna, uma música sobre pertencimento e identidade no processo de diáspora africana.
Atravessei o mar
Um sol da América do Sul me guia
Trago uma mala de mão
Dentro uma oração
Um adeus
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incrível como meu dia melhora quando tem news do hg! amei a entrevista feita pela isabela <3
Sempre admirei o trabalho do Marcelo. Lembro do Angola Janga em meus anos de escola! Poder entrevistá-lo foi uma verdadeira realização <3