Você pensa demais quando recebe uma pergunta? Respostas impulsivas se transformam em assombrações? “Eu deveria ter respondido isso”, você pensa, “mas agora é tarde demais.”
Em 2025, a newsletter do História Guardada vai habitar o espaço que existe entre uma pergunta e uma resposta. Em cada edição, vamos investigar juntas o inconsciente criativo de artistas visuais e escritoras com diferentes origens e produções. Nossa aposta é explorar o instinto e a autencidade — sempre de olho nas memórias, no contemporâneo e no futuro.
⬇️ Vamos nessa?
Diálogos /// Ana Pecis conversa com Larissa de Souza
A primeira convidada desse novo ciclo é a artista visual paulista Larissa de Souza, 29, cujo trabalho recente aborda o universo íntimo e coletivo das mulheres negras, principalmente em seus contatos com a espiritualidade e com a cultura popular. Suas pinturas estão expostas na mostra Fé Feitiço, em cartaz na Galeria Simões de Assis, em São Paulo, até o dia 1º de março de 2025.
— O desejo de criar é incontrolável? Acho que sim, é incontrolável. Eu penso bastante no que eu seria se não fosse artista, e não consigo saber muito bem. Parece que preciso sempre transformar minhas experiências em outra coisa, não só na pintura; às vezes, posso acabar escrevendo, trabalhando aquilo de alguma forma.
— Na hora de criar, como você media o quintal da sua infância, suas memórias e ancestralidade, com o horizonte do futuro, o tempo das próximas gerações? Eu não consigo pensar muito no futuro ou em legado. Quando crio, sei que estou criando junto com uma série de referências, inspirações, coisas que aconteceram comigo no passado, coisas que estão acontecendo comigo agora, ou em memórias coletivas. Sou uma pessoa muito nostálgica, muito sentimental. Eu sinto demais, então meu processo criativo vem bastante dessa necessidade de me expressar. Sei que o ancestral é o agora, mas, para mim, pode ser o passado também.
— Existe separação entre arte popular e erudita? Fico pensando: o que é uma cultura sofisticada? Existem tantos elementos que tornam a cultura popular sofisticada, não acredito mesmo nessa separação.
— A melancolia é azul? Eu já ouvi isso, que o azul é melancólico. Eu nunca tinha me dado conta que minhas pinturas tinham essa predominância do azul, até que alguém me disse. Não penso muito nas cores quando estou criando, meu processo criativo vai fluindo, sabe? Mas eu acredito demais no poder do inconsciente, então acho que o azul vem daí, de imagens coletivas que me acompanham.


As pinturas de Larissa se concentram, sobretudo, na imagem da mulher afrodiaspórica em seu universo particular e coletivo.
— A tecnologia amplia ou limita na hora de criar? E as redes sociais? Me sinto confusa em relação a isso, porque a internet ajudou na divulgação do meu trabalho, da minha arte, principalmente no início, quando comecei a criar em 2021. As pessoas olharam muito para arte na pandemia, e acreditei muito no poder dela naquele momento. Ao mesmo tempo, somos impactadas por tantas imagens o tempo todo, fico me questionando o quanto isso pode influenciar nas minhas criações, então o sentimento é esse misto.
— Se imagine fora do seu corpo. Você pode ser feita de qualquer coisa no mundo, de qualquer cor, formato físico ou imaterial. Do que você seria feita? Um losango lilás com cheiro de melaleuca.


— Se você pudesse guardar só uma palavra, qual seria e por que? Destino. Não porque eu acredite 100% nele, é um pouco como se perguntar se Deus existe. Tem tantas coisas que eu olho e me pergunto: será que isso foi o destino? Isso era para acontecer? Como seria se não acontecesse? Então foi essa palavra que me veio agora.
— Como você imagina o mercado da arte daqui a 10 anos? Eu sinto uma mistura de curiosidade e preocupação. Vejo muita gente falando sobre clima, por exemplo, mas, se ainda estivermos falando de questões climáticas daqui a 10 anos, vai significar que nada mudou? Ao mesmo tempo, fico curiosa para entender quais serão os temas abordados. Mesmo hoje, sinto falta de ver coisas novas, então penso no futuro com essa curiosidade sobre o que será produzido, ao mesmo tempo que me gera preocupação.
— Uma referência máxima? A cantora sul-africana Miriam Makeba e também a afro-peruana Susana Baca, que me faz pensar sobre negritude nos nossos países irmãos da América Latina.
O que estamos lendo? /// Nossa equipe indica
"Em meio aos muitos textos acadêmicos, meu respiro tem sido ler ‘Amor mais que maiúsculo’, da Ana Cristina Cesar. As cartas direcionadas ao Luiz só fazem com que eu me apaixone ainda mais por ela — e deseje ter sido a sua grande paixão. Em paralelo, comecei ‘Hospício é Deus’, da Maura Lopes Cançado. Gosto de como as cartas e diários criam uma relação de intimidade entre leitor e escritor. No fim, sinto que de alguma forma nos tornamos próximos."
“Mantendo a meta de ler um livro de literatura russa por mês, em fevereiro escolhi ‘O duelo’, de Tchekhov. Para ampliar meu repertório literário africano, decidi incluir a escritora somali Nadifa Mohamed, com sua obra ‘O pomar das almas perdidas’. Seguindo a mesma linha, por recomendação de amigos, optei também pela obra ‘Dans le jardin de l’ogre’, da escritora franco-marroquina Leïla Slimani.”
“Continuo na saga de ler a Tetralogia Napolitana, da Elena Ferrante. Ler ‘História do novo sobrenome’ tem sido uma experiência única e imersiva. Estou bastante envolvida com as personagens (e, vez ou outra, me estressando com a ingenuidade da Lenu). Além disso, estou lendo ‘Atos humanos’, da mais recente vencedora do Prêmio Nobel de Literatura, Han Kang. É um livro bem gráfico e explícito em relação à violência (eu cometi o erro de ler antes de dormir), que mostra os desdobramentos de um levante estudantil na Coreia do Sul em 1980.”
"Terminei recentemente ‘Triste cuíca’, da Julia Wähmann. Durante o tempo suspenso pela pandemia de COVID-19, a autora levou algumas obsessões a sério: se aventurou pelo passado familiar e pelos diários de escritores mortos com os olhos de quem vê tudo pela primeira vez. É um livro curto, pontual, sobre o registro de uma realidade incontornável. Agora, estou lendo ‘Um teto todo seu’, da Virginia Woolf, para o curso com a Nara Vidal sobre a loucura feminina na literatura, que começa hoje (11), na Escrevedeira.”
Exposições, projetos e cursos /// Pelo Brasil
Aracaju: Festival Sergipe de Audiovisual. De 15 a 22 de fevereiro.
Fortaleza: Vermelho Vivo no MIS-CE. Até 30/03.
São Paulo: Salvei offline no REAQ Belas Artes. 28/03.
São Paulo: Indomináveis Presenças no CCBB. Até 07/04.
São Paulo: Zanele Muholi: Beleza valente no IMS. A partir de 22/02.
Rio de Janeiro: Serpente do mundo: memória, destino, conhecimento e liberdade no Centro Cultural dos Correios. Até 08/03.
Online: Conheça os próximos cursos da Escrevedeira. Use o nosso cupom HISTORIA10 para garantir 10% de desconto.
Vamos criar juntos? /// Apoie o História Guardada
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Amei a indicação cultural no Rio! Vou tentar ir!
primeira news do ano maravilhosa!!