No México, uma expressão é reservada aos traidores: La Malinche. Mulher histórica que mediou o contato entre colonizadores espanhóis e povos originários durante a Conquista Mexicana, Malinche representa o poder, as possíveis tragédias e as eventuais graças nascidas de nossas línguas. Nesta edição, compartilhamos diálogos, leituras, convites e dicas para expandir o que sai de nossas bocas. Confira também nossa newsletter anterior, em que conversamos com a artista Larissa de Souza.
⬇️ Bora lá?
Diálogos /// Isabela Araújo conversa com Igor Rodrigues
O segundo convidado do nosso novo ciclo de diálogos é Igor Rodrigues, artista visual nascido em Feira de Santana, na Bahia. Formado em Psicologia pela UEFS, Igor se inspira em autores negros da psicanálise para construir sua obra, que define como uma “autobiografia em constante construção”. A arte que produz transcende sua experiência pessoal para dialogar com o coletivo, criando pontes entre a individualidade e o mundo.
— Qual é o sentido da vida? “Aproveitar. É necessário que aproveitemos, porque não existe outra vida. Talvez até exista, mas a gente não vai viver da mesma forma. Por isso, eu acho que o sentido é aproveitar o que quer que seja: os momentos tristes ou os bons.”
— A obra existe sem o artista? “Não. Eu não consigo pensar a minha arte sem me pensar. A minha arte parte do que sou. Então, não consigo dissociar isso. Talvez para outros artistas até funcione, mas, pensando no que faço e no que acredito, acho sim que sempre tem pelo menos um pouco de nós no que a gente faz."
— Existe separação entre arte popular e erudita? "Arte é arte. Não faz sentido separá-la em caixinhas. Se alguém me perguntar: 'Como se encaixa o seu trabalho?', vou responder: é arte. Por que eu tenho que me preocupar onde o meu trabalho se encaixa? Eu não preciso encaixar meu trabalho em nada. Ele é suficiente por existir, e isso não é presunção da minha parte, mas porque sei a função que tem para mim. É algo que mudou a minha vida, mudou quem eu sou, e me orgulho disso. Esse entendimento não inclui a preocupação de onde vou encaixar meu trabalho. Então, sou contra a ideia de definir, restringir e categorizar a arte."


“Pérola” e "Estrela-do-mar", respectivamente /// Série “Espelho D’Água” (2024).
— Como você media o quintal da sua infância, a sua ancestralidade e memórias, com a ideia de legado, futuro, o tempo das próximas gerações? “Encontrei na sankofa a inspiração de que é necessário olhar para trás para pensar no presente, e meu trabalho tem muito a ver com isso. Onde está meu passado? Onde está meu presente? Onde está meu futuro? Quando comecei a produzir, percebi vários elementos na minha arte que estavam relacionados ao passado — minha infância, meus traumas e minhas angústias. É como se fôssemos construir um muro: você coloca um bloco sempre em cima do outro, e, mais adiante, a maneira como você colocou aquele primeiro bloco — o seu tamanho, cor e material — vai ter influência na composição total. Existe um eu dentro de mim que estará sempre aqui. Nada é completamente descartável."
— Se imagine fora do seu corpo. Você pode ser feito de qualquer coisa no mundo, ter qualquer cor, qualquer formato físico ou imaterial. Do que você seria feito? "Eu seria o vento. Tenho uma relação com o vento que não sei definir: ele me remete ao passado, a pensar que, em algum momento, senti aquele mesmo vento e ele já se conectou comigo. Acho que meu apego está também no fato de ele ser tudo e não ser nada. É uma existência muito particular: intocável e invisível, mas presente. Ele não pode ser completamente definido: é o vento."


“Identidade #10” e “Água-viva”, respectivamente /// Série “Espelho D’Água” (2024).
— Quais artistas você recomenda para o nosso público? “Pensando em diferentes áreas, o fotógrafo brasileiro Rafael Pavarotti e a cantora britântica Raye; como artista, não posso deixar de mencionar um amigo que admiro muito, o astronauta de mármore. Adoro o trabalho deles. Para assistir, a série Ruptura. Como leitura, Pele negra, máscaras brancas, do Fanon.”
O que andamos lendo? /// Nossa equipe compartilha
“Chegando ao terceiro livro da tetralogia napolitana, da Elena Ferrante, percebo que as protagonistas Lila e Lenu se revezam em me gerar emoções intensas. Em História de quem foge e de quem fica, a autora se afasta do bairro napolitano onde elas foram criadas para contextualizar a realidade política da Itália e da Europa, o que tenho gostado bastante. Espero que, até o final, a família Sarratore tenha explodido <3”
"Em março, quero retomar livros que iniciei, mas nunca terminei. Vou começar por Tudo sobre o amor, da bell hooks, e A questão da Palestina, do Edward Said, obras que já consultei em capítulos específicos para minha pesquisa de mestrado, mas que ainda não li por completo. Além disso, escolhi Um jogador, do Dostoiévski, como a leitura de literatura russa do mês, dentro do meu compromisso de ler um livro do país a cada mês."
“Terminei Contra mim e acho muito especial a forma como Valter Hugo Mãe retrata a infância e a adolescência em suas obras. A leitura foi um grande abraço na minha criança interior — e também na minha versão adulta — que vivia em busca de perfeição, o que sempre resultou em um sentimento de inadequação enorme. Como forma de aliviar o mês, finalmente comecei a ler O essencial de perigosas sapatas, que é o The L Word das HQs e estava na minha estante há um tempão."
“Comecei o mês lendo Cadelas de aluguel, lançamento da DBA Editora. Com tradução de Marina Waquil, o livro de Dahlia de la Cerda reúne um arsenal de mulheres que lidam com as violências de um México profundamente marcado pelo narcotráfico e pelas tensões de classe e de gênero. Em treze histórias independentes — mas frequentemente entrelaçadas —, temas como aborto e vingança surgem afastados de qualquer moralismo. Como é comum em livros com narrativas fragmentadas ou polifônicas, algumas vozes agradam mais do que outras. Destaco aqui minha história favorita: O Sorriso desafia a barreira entre a vida e a morte para nos apresentar a uma mulher que decide retribuir uma violência escabrosa.”
Um novo clube feminista /// Vem com a gente?
A partir de maio, o História Guardada vai mediar os encontros do novo clube de leitura da AzMina, projeto que há dez anos debate questões de gênero e luta por um futuro feminista. Em breve, vamos divulgar o primeiro título a ser lido pelo clube, mas já fica o convite para você apoiar AzMina e poder participar!
Falando outras línguas /// Uma nova habilidade para 2025
Desde o ano passado, nossa equipe tem conversado sobre a graça de aprender novos idiomas e o quanto pode ser empolgante estar nesse processo. Abaixo, compartilhamos uma lista de escolas de idiomas e professoras que recomendamos. Ah, e não se tratam de parcerias; indicamos porque gostamos.
CAVC Idiomas e Poliglota Idiomas (Online ou presencial em SP): essas duas instituições estão vinculadas à Univerdade de São Paulo, tendo sido nucleares para o domínio da língua francesa para a Isa, uma de nossas colaboradoras. Nesses espaços, você pode encontrar cursos de Inglês, Espanhol, Francês, Alemão e Italiano por um preço justo.
NELE Idiomas (Online ou presencial em SP): curso de línguas vinculado ao Centro Acadêmico de Filosofia da USP é uma referência incontornável para todos os alunos da USP e que merece ser reconhecido também fora dela por sua qualidade e custo benefício! Idiomas disponíveis: Inglês, Francês, Espanhol, Grego Antigo e Alemão.
Abraço Cultural (Online ou presencial em SP e RJ): Escola de Idiomas com professores refugiados, que promove a troca de experiências culturais. É uma ONG pioneira no ensino de Árabe, Francês, Inglês e Espanhol, utilizando material didático que valoriza as culturas do Sul Global, superando os métodos tradicionais que se concentram no aprendizado das culturas dos falantes europeus.
Centro da Língua Árabe (Online ou presencial em SP): Escola de ensino de Árabe com professores imigrantes no Brasil. É indicada fortemente pela Isa, nossa colaboradora em São Paulo, que mergulhou nos estudos de Árabe graças a essa instituição tão rica e acolhedora.
Professora Maiara (Online): Indicação especial da Ana, a Maiara tem acompanhado sua jornada no aprendizado do Italiano. Mestra e graduada em Letras-Italiano na UFPR, a professora adota uma metodologia personalizada e cultural.
Latino Hablante (Online): amiga de longa data do História Guardada, Bia é formada em Letras/Espanhol pela UFRJ, especialista em Ensino de Espanhol pelo Pedro II e uma indicação incontornável para o aprendizado de Espanhol. Além disso, coordena um grupo de conversación literaria, ideal para leitoras interessadas em se aprofundar na cultura hispanohablante!
Exposições, eventos e cursos /// Envie suas sugestões!
São Paulo: Retrospectiva Alfred Hitchcock na Cinemateca Brasileira. De 06/03 a 16/03.
Rio de Janeiro: Circuito Histórico Cemitério a Cemitério no Instituto Pretos Novos (IPN). De 22/03 e 29/03.
Online: Lugares de memória no Chile no Centro de Pesquisa e Formação (SESC). De 24/03 a 07/04.
Online: Literacia Digital nas Humanidades no Centro de Pesquisa e Formação (SESC). De19/03 a 09/04
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Amei as dicas de escolas de idiomas, muito obrigada <3
gosto muito de ler vocês. Obrigada pelas dicas culturais e de leitura 💓